O boteco do seu Antônio era um dos lugares onde meu pai jogava truco. Era bem na frente da nossa casa, na vila do Cardoso, no bairro de Santa Efigênia, BH. Chegava do trabalho, tomava banho, jantava, e, anoitecendo, ia para o botequim, onde companheiros já esperavam. Eu brincava na rua ali perto e raramente ficava no botequim, mas ouvia os gritos ”Vale 6, ladrão de galinha!”, “Chupa truco, seu candango!”, “Macaco que muito mexe, quer chumbo”, “Êta ferro, sô!”, e esses brados de mesa de truco.
Mas no dia da barata eu estava lá dentro, sentado a um canto, tomando um refrigerante.
Os 4 homens jogando truco, seu Antônio atrás do balcão, e eu. Ninguém mais ali no recinto naquela hora da noite. Nisso, surge, de um buraco na parede, próximo à mesa de jogo, uma barata enorme, antenas agitadas, descendo em direção ao chão. Um jogador, vendo o inseto, comentou: “Ô bichim nojento, sô! Dá uma vassourada nela aí, gente!” Seu Antônio, apagando seu cigarro de palha, com seu jeito brincalhão: “Nojento nada, camarada, lá pras banda da China eles comem isso, tá?” O jogador pôs as cartas na mesa, virou-se para o comerciante: “Pois, cumpade, eu pago caro pra ver um doido fazer isso.” Não foi preciso mais; seu comparsa, Arlindo, do outro lado da mesa, saltou para se aproximar de onde descia a barata, perguntando: “Quanto? Quanto?” E o outro, Onofre, agora tirando as pernas para fora do espaço da mesa, disse: “Ó, Cê quer saber? Eu dou 20 merréis pra quem comer essa coisa aí!” Então, foi interessante: os outros jogadores abandonaram a mesa e iniciaram aquela ginástica para pegar a barata: cerca daqui, cerda dali, cuidados para ela não ir para debaixo do balcão, “Ela foi pro seu lado, Onofre!”, “Ôpa, mantenha o pé aí, que ela está indo!”, “Cuidado, gente, pega ela viva!”, e tal. Eu, com meu medo de barata, permaneci quietinho no meu canto, e, recolhendo os pés para o assento da cadeira, fiquei curioso para ver o que sucederia.
Enfim, capturada a barata, Arlindo, inseto preso na mão fechada, perguntava: “20 merréis, Onofre?” E o outro confirmava “Sim senhor!”. Arlindo abriu a mão, pegou a barata por uma das antenas, aquele enorme inseto girando pra lá e pra cá, perninhas agitadas no ar: “Então me mostra a grana.” E Onofre tirou duas notas de 10 do bolso, desdobrou-as e, segurando-as entre indicador e dedo médio, desafiou: “Se ocê tiver coragem…” Arlindo, aproximou-se de Onofre e segurou, com a mão livre, na outra ponta das notas, ao que Onofre, firme, manteve sua ponta presa entre os dedos: “Solto quando você engolir.”, prometeu. Nós outros observávamos, calados e divertidos, a cena. Arlindo, assim com uma mão segurando a ponta das notas, com a outra, elevou o inseto acima dos olhos, e abriu bem a boca. Foi um instante mágico, de suspense, aquele silêncio no boteco, todos ansiosos para ver o momento seguinte, aquele inseto escuro pendurado, se agitando, balançando da mão de Arlindo, pendendo sobre sua boca aberta. E aí ela caiu. Caiu rapidamente dentro da boca do jogador, que fechou os lábios, a tempo de ouvirmos o ‘ploc’ do inseto estourando entre seus dentes. E ele mastigou várias vezes. E engoliu, com aquele ruído característico de engolir com esforço: ‘gut’. E, antes que Onofre, estarrecido, soltasse as notas para o ganhador, disse: “Não, quero ver se ficou algum restinho na boca! Abre a boca aí.” E olhando, de pertinho, dentro da boca aberta de Arlindo, exclamou: “Olha, ainda tem uma asinha marrom lá no canto, seu danado!” Ao que Arlindo, após passar a lingua pelas bochechas, novamente engoliu: ‘gut’. E, pegando para si o dinheiro, dobrou rapidamente as notas e enfiou-as no bolso de trás da calça. E correu, rápido, para a porta do boteco. E todo o seu asco contido extravasou: começou a vomitar. Inicialmente em pé, curvando-se para não espirrar vomito na roupa. Vomitou várias vezes, ruidosamente, eliminando restos de alimentos e de barata, e foi vomitando e se contorcendo e abaixando e dando arrancos, e segurando a barriga, enquanto os colegas dobravam-se sobre o balcão de tanto gargalharem. Arlindo vomitou tanto que, prostrado, manteve-se ali agachado no chão, até que, minutos depois, sua cor voltou e ele pôde, escorando nas paredes, procurar uma cadeira. Onofre foi o único que, agora sem rir, aproximou-se para ajudar o comedor de barata.
Até arrepiei no meu canto quando seu Antônio, frouxo de rir, perguntou: “Arlindo, por trinta vai um ratinho?”.
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